A avaliação do desempenho económico da atividade seguradora em 2023 é um exercício necessariamente condicionado, uma vez que a entrada em vigor do novo Plano de Contas para as Empresas de Seguros (PCES) reformulou conceitos com impacto significativo nalguns dos principais agregados e indicadores de performance.
Ainda assim, um traço fundamental que não escapa já despercebido é o substancial aumento dos montantes pagos pelas seguradoras, seja ao abrigo de contratos do ramo Vida (12,7%), seja ao abrigo de contratos dos ramos Não Vida (12,4%).
No segmento Não Vida a inflação explica, naturalmente, uma parte, não surpreendendo que se repercuta diretamente no agravamento do custo médio dos sinistros. Mas a taxa de inflação média acumulada regrediu, apesar de tudo, para 4,3%, deixando por explicar cerca de 2/3 da expansão destes montantes pagos.
Outra parte resultará então de um aumento da frequência decorrente de uma maior exposição ao risco, por exemplo com a acrescida circulação automóvel, ou de um maior recurso às coberturas de seguro, por exemplo com a acrescida utilização dos serviços de saúde privados.
E outra parte não menosprezável resultará de fatores mais aleatórios de sinistralidade, em especial fenómenos extremos da natureza, como as inundações e tempestades que fustigaram algumas zonas do país no final de 2022 (cujas indemnizações acabaram pagas já no início de 2023), a que se somarão ainda os efeitos das tempestades sequenciais ocorridas no outono.
Já no segmento Vida a inflação tem um efeito direto limitado, mas acabou por impactar os seus montantes pagos por via do aumento que provocou nas taxas de juro.
E foi também um impacto negativo, uma vez que esse aumento impôs uma enorme pressão orçamental sobre as famílias endividadas, obrigando muitas delas a recorrer a poupanças acumuladas, nomeadamente em produtos de seguros, para fazer face aos seus compromissos com empréstimos contraídos.
Em cima deste contexto, o Estado, no âmbito de políticas não convencionais de apoio às famílias, veio ainda estimular o consumo dessas poupanças, incluindo das que se destinariam ao período de reforma, criando um regime extraordinário para resgates de PPRs que os pôs facilmente a salvo das penalizações fiscais previstas na lei e que, de facto, terá sido utilizado em abundância por estes aforradores (explicando boa parte do aumento superior a 40% dos montantes pagos em PPRs e a erosão de quase 2 mil milhões de euros no valor das poupanças acumuladas nestes produtos em relação ao final de 2022).
E se no segmento Não Vida a evolução do volume de prémios (10,6%) ainda se aproximou da dos montantes pagos, já no segmento Vida os prémios e contribuições para produtos de poupança regrediram consideravelmente (-14,5%).
Na realidade, todos os grandes ramos do segmento Não Vida tiveram crescimentos do volume de prémios superiores à inflação, incluindo os de Acidentes de Trabalho (11,0%), Doença (16,7%), Incêndio e Outros Danos (10,6%) e Automóvel (8,4%). Sucede, porém, que só no primeiro destes ramos esse crescimento superou o dos montantes pagos, sugerindo um agravamento geral do rácio de sinistralidade Não Vida em 2023.
Em Vida verifica-se uma significativa retração dos prémios e contribuições a conviver com o referido agravamento dos montantes pagos com sinistros, resgates e reembolsos, gerando um fluxo técnico substancialmente negativo. Esta contração da aplicação de poupanças em produtos de seguros afetou também os PPR (-11,5%), embora se tenha estendido, e com maior incidência ainda, a outros produtos de capitalização (-20,4%).
A repercussão de toda esta combinação de fatores sobre o desempenho económico do setor só é aferível, nesta altura, para o primeiro semestre do ano e, sendo então baseado nas normas IFRS 17 e IFRS 9, com fortes limitações na comparabilidade com exercícios anteriores.
Na demonstração de resultados deste período o saldo líquido global equivaleu a 314 milhões de euros, mantendo-se um contributo superior do ramo Vida (272 milhões de euros), um contributo também positivo do conjunto dos ramos Não Vida (181 milhões de euros) e um contributo negativo da conta não técnica incluindo impostos (-140 milhões de euros).
No segmento Não Vida, o maior contributo veio do ramo Acidentes e Doença, em especial do sub-ramo Acidentes de Trabalho, embora todos os outros grandes ramos tenham apresentado igualmente um resultado técnico positivo. Ainda assim, o saldo foi bastante contido em Doença e Automóvel, em especial se comparado com o volume de prémios (e réditos) que geram.
Por fim, o saldo da conta não técnica foi penalizado, como habitualmente, pelos impostos correntes (74 milhões de euros) e impostos diferidos (40 milhões de euros), ainda que fosse já negativo antes da sua aplicação.
Perspetivas 2024
O ano de 2024 envolve incertezas que ameaçam, não só o desempenho da atividade económica, desafiando as projeções macroeconómicas oficiais, como também projetos políticos de importância crítica para o setor.
Por um lado, incertezas que decorrem das tensões geopolíticas internacionais, que nesta fase produzem dois grandes conflitos militares de impactos potencialmente nefastos para a economia mundial, para além das suas dramáticas consequências humanas e sociais.
Por outro, incertezas que decorrem do próprio contexto político nacional, com eleições marcadas para março de 2024.
Por último, incertezas que decorrem do desempenho macroeconómico internacional, em especial das economias europeias, algumas das quais em risco real de entrar em recessão, arrastando potencialmente economias periféricas como a portuguesa.
Daí que as projeções macroeconómicas da proposta do Orçamento do Estado para 2024 estejam já em causa, incluindo quanto ao ritmo de desaceleração do PIB, que pode vir a ser bem mais acentuado do que o previsto (taxas de crescimento real de 2,2% em 2023 e de 1,5% em 2024), e até quanto ao processo de desinflação, que pode neste caso vir a ser mais lento do que o previsto (4,6% em 2023 e 2,9% em 2024).
Estas circunstâncias vão, provavelmente, impactar o segmento Não Vida – que tem uma correlação positiva com o desempenho geral da economia e tem uma relação sensível com o comportamento da inflação, até por força do seu ciclo de produção invertido – bem como o segmento Vida, porque mantêm muito condicionadas as perspetivas de evolução do rendimento disponível das famílias e, logo, da sua capacidade de poupança, ainda que um ambiente de taxas de juro mais elevadas tenda a reposicionar, favoravelmente, os seus típicos produtos de capitalização.
Em suma, 2024 será um ano pleno de desafios para o setor segurador.