A Diretiva (EU) 2021/2118 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2021[1] (Diretiva (EU) 2021/2118), que procede à alteração da Diretiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2019[2], e do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto[3] (Decreto-Lei n.º 291/2007), visa a melhoria da proteção dos lesados em acidentes de viação, a simplificação dos processos burocráticos e a garantia do pagamento eficiente das indemnizações em caso de insolvência ou liquidação das empresas de seguros.
A obrigação de seguro – novas derrogações
Atualmente, o Decreto-Lei n.º 291/2007 prevê que podem isentar-se da obrigação de seguro, os Estados estrangeiros e organizações internacionais das quais Portugal seja membro, e o próprio Estado português em certos departamentos e serviços, assim como os veículos de caminhos de ferro, do metro, máquinas agrícolas não sujeitas a matrícula e veículos utilizados em funções agrícolas e industriais.
A Diretiva (EU) 2021/2118 prevê a possibilidade de os Estados-Membros introduzirem três novas derrogações ao regime da obrigação de seguro (artigo 5.º):
- Veículos temporária ou permanentemente retirados e proibidos de utilização, desde que tenha sido instaurado um procedimento administrativo formal ou outra medida verificável;
- Veículos utilizados exclusivamente em zonas de acesso restrito;
- Veículos não autorizados a circular na via pública.
Os Estados-Membros que concedam estas derrogações devem assegurar o igual tratamento destes veículos aos veículos que não possuem seguro.
De referir ainda que o legislador nacional acolheu apenas a derrogação referente aos veículos temporária ou permanentemente retirados e proibidos de utilização, através de um procedimento administrativo ou outra medida verificável.
Revisão e atualização dos capitais mínimos obrigatórios de seguro
Cada Estado-Membro deve exigir que o seguro seja obrigatório no que se refere aos seguintes montantes:
- 6.450.000€, por acidente para danos corporais; e
- 1.300.000€, por acidente, por acidente para danos materiais.
Relativamente à revisão dos capitais mínimos obrigatórios, foi introduzida uma cláusula de revisão uniforme que estabelece regras específicas de regulação, designadamente a revisão e atualização dos montantes, de cinco em cinco anos, sob proposta da Comissão Europeia, em consonância com o índice harmonizado de preços no consumidor (IHPC), nos termos do Regulamento (UE) 2016/792 do Parlamento Europeu e do Conselho[4].
Indemnização em situações de liquidação ou insolvência da empresa de seguros
Neste âmbito, os Estados-Membros devem criar um organismo de insolvência que disponha de fundos suficientes para indemnizar os lesados. O organismo de insolvência do Estado-Membro de origem do segurador objeto de ordem ou decisão de abertura de um processo de falência ou liquidação, deve assegurar que os seus congéneres de outros Estados-Membros sejam prontamente informados.
Assim, o organismo de insolvência deve apresentar uma proposta razoável ou resposta fundamentada, nos termos do direito nacional aplicável, no prazo de três meses a contar da data da apresentação da reclamação de danos, e, pagar a indemnização sem demora injustificada, no prazo de três meses a contar da aceitação da proposta razoável pelo lesado.
No mercado português, será o Fundo Garantia Automóvel (FGA) a assumir o papel de organismo de insolvência, pelo que esta nova responsabilidade poderá, eventualmente, levar a um reforço das contribuições das empresas de seguros, com vista ao financiamento de eventuais insolvências de empresas de seguros com sede em Portugal, em caso de insuficiência de fundos do FGA.
Acidentes causados por veículos com reboque
Em caso de acidente que envolva um veículo trator e um reboque cobertos por seguro com contratos distintos, podem os lesados:
- Quando se trate de contratos com empresas se seguros diferentes, solicitar a qualquer uma delas informações sobre a identidade da outra;
- Solicitar a indemnização da totalidade do dano ao abrigo de qualquer um dos contratos, dentro dos limites do capital seguro.
Para os casos de acidente que envolva um veículo trator e um reboque, em que apenas um dos veículos se encontra coberto por um seguro, ou em que apenas seja possível identificar uma das empresas de seguros, deve esta esclarecer o lesado de que é responsável pelo pagamento da totalidade do dano, dentro dos limites do capital seguro pelo contrato, e deve ainda informar o lesado da existência e funções do FGA, uma vez que é este o responsável pelo pagamento do dano para os casos em se oponha uma exceção atendível ao lesado.
Declaração padronizada do histórico de sinistros
A Diretiva confere aos tomadores de seguro o direito de solicitar, a qualquer momento, uma declaração relativa aos sinistros (ou à sua ausência) que envolvam responsabilidade civil, provocados pela circulação de veículo coberto pelo seguro, considerando, pelo menos, os 5 anos anteriores à relação contratual. Esta declaração deve ser facultada no prazo de 15 (quinze) dias, a contar da data da solicitação desta.
As empresas de seguros que tenham em consideração este tipo de declarações para a determinação dos prémios não podem discriminar o tomador de seguro em função da sua nacionalidade ou do seu anterior Estado-Membro de residência, assim como também se impõe às empresas de seguros a igualdade de tratamento relativamente às declarações de outros Estados-Membros e aos descontos concedidos a clientes nacionais, incluindo os bonus malus.
As empresas de seguros que emitem a declaração de historial de sinistros devem fazê-lo de acordo com o modelo estabelecido na regulamentação da União Europeia adotada ao abrigo do artigo 16.º da Diretiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, consubstanciado no Regulamento de Execução (UE) 2024/1855 da Comissão, de 3 de julho de 2024[5].
Ferramentas independentes de comparação de preços
A Diretiva confere aos Estados-Membros a certificação de ferramentas independentes que permitam aos consumidores comparar gratuitamente os preços, as tarifas e a cobertura de contratos de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel.
As ferramentas de comparação devem cumprir determinados requisitos, entre os quais, ser operacionalmente independentes e assegurar a igualdade de tratamento nos resultados da pesquisa, estabelecer critérios claros e objetivos para efetuar a comparação, usar uma linguagem clara e inequívoca e prestar informação exata e atualizada, indicando a data da última atualização. É igualmente conferida aos Estados-Membros a possibilidade de criar ferramentas públicas de comparação de preços operadas por uma autoridade pública.
Parece-nos que, inequivocamente, a certificação de ferramentas de comparação em Portugal será feita pela ASF, através de regulamentação a definir por esta.
Fiscalização do cumprimento da obrigação de seguro
Devem, os Estados-Membros, abster-se de proceder à fiscalização do seguro de veículos que tenham o seu estacionamento habitual em outro Estado-Membro, ou em países terceiros que entrem no seu território provenientes de outro Estado-Membro.
Esta fiscalização, uma vez autorizada, deve ser feita de forma não discriminatória, necessária e proporcional ao fim prosseguido, e realizada no âmbito de um controlo que não tenha como objetivo exclusivo a verificação do seguro, ou um sistema geral de controlo realizado em relação a quaisquer veículos, independentemente do local do seu estacionamento habitual, e que não requeira a paragem do veículo.
Os dados pessoais processados no âmbito desta fiscalização deverão ser apagados, quando se verifique o cumprimento da obrigação de seguro, até ao final do dia seguinte ao dessa verificação, ou conservados, quando a fiscalização seja inconclusiva, pelo prazo necessário para a determinação da existência de cobertura por seguro obrigatório, o qual não pode exceder cinco dias. Estes dados podem ainda ser partilhados com autoridades responsáveis pela fiscalização do cumprimento da obrigação de seguro de outros Estados-Membros, em caso de equivalência das respetivas garantias relativas ao tratamento de dados.
[1] Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/pt/TXT/?uri=CELEX:32021L2118;
[2] Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:32009L0103;
[3] Disponível em: https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/decreto-lei/291-2007-640637.
[4] Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A32016R0792.
[5] Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=OJ:L_202401855