UM CAMINHO ESTREITO
As perspetivas para a economia portuguesa têm melhorado, mas os riscos exigem cautela num momento ainda de grande incerteza.
A estabilidade do setor financeiro é uma pré-condição para o desempenho saudável de uma economia moderna, com capacidade para financiar crescimento económico e gerir os riscos que lhe estão associados. A solidez e capacidade de adaptação das seguradoras e dos bancos é ainda mais relevante em períodos de transformação da economia mundial, como o atual. A necessidade de dar resposta à transição climática e ao desafio digital torna-se um exercício ainda mais difícil para o setor financeiro perante a maior polarização geopolítica. Que fazer? Procurar um caminho que assente na compreensão do passado recente e na capacidade de previsão dos próximos passos.
Portugal viveu, nos últimos anos, um período de difícil repetição. A economia cresceu a um ritmo próximo do seu potencial e quase sempre acima da média comunitária. Este regresso à convergência com a União Europeia é uma novidade para a criação de riqueza nacional. Desde 2019, num período marcado pela pandemia e pela inflação, o País tem um crescimento acumulado de 5,9%, o que compara com 3,3% na zona euro.
Este resultado assenta na resiliência do mercado de trabalho, com perto de um milhão de empregos criados nos últimos dez anos e com uma taxa de desemprego que hoje ronda 6,5%, valor historicamente baixo. Apesar do choque inflacionista, os portugueses tiveram ganhos de poder de compra reais significativos. Entre 2013 e 2023, a inflação acumulada foi 15%, enquanto as remunerações aumentaram 65%.
Este período foi também marcado pela estabilização do setor financeiro e pela consolidação das contas públicas, ambos com reflexo na melhoria da perceção de risco da República, com revisões favoráveis no rating da dívida soberana.
A narrativa sobre a economia portuguesa é frequentemente pintada de negro, sendo habitual a referência à ultrapassagem por países do leste da Europa. Sendo essa comparação desfavorável a Portugal em alguns indicadores, também omite vários desenvolvimentos positivos – até historicamente anormais – e uma resiliência assinalável a múltiplas crises.
O período mais recente foi especialmente duro para a Europa, entre preços a ferver e economias arrefecidas. O choque energético provocado pela invasão da Ucrânia pela Rússia, somado à disrupção das cadeias de abastecimento pós-COVID, criou as condições para um salto na inflação que a colocou em níveis não observados no continente europeu desde os anos 80. Ao disparo dos preços correspondeu o mais agressivo ciclo de aperto monetário que a zona euro já viveu.
Menos afetado por esse embate energético, Portugal – e outras economias do Sul da Europa – tem-se destacado pelo dinamismo, o que contrasta com a estagnação que a zona euro vive desde o final de 2022.
Isto significa que, embora os desafios abundem, a situação estrutural e a conjuntura dão a Portugal uma janela de oportunidade que pode aproveitar.
2023 acabou por ser um ano mais favorável do que se antecipava. Sustentado na força do mercado de trabalho, o crescimento de 2,3% é prova da resiliência da economia portuguesa, mesmo face a choques violentos. Reflete avanços estruturais, como a qualificação da população, mas também as consequências da estabilidade orçamental, financeira e institucional.
Nos próximos três anos, a economia portuguesa deverá crescer entre 2% e 2,3%. O Boletim Económico de março do Banco de Portugal reviu em alta as suas previsões e de forma especialmente pronunciada para 2024. O acumulado de 6,7% fica bastante acima da estimativa de 3,8% para a zona euro. Essa diferença é explicada pelo dinamismo das exportações e do investimento, graças à entrada de fundos comunitários, num contexto de redução do endividamento das famílias, das empresas e do Estado.
Prevê-se que a inflação caia para 2,4% este ano e 2% em 2025. Essa moderação do avanço dos preços, em combinação com aumentos salariais, apoios sociais e descida dos impostos diretos, poderá representar uma bolha de oxigénio para as famílias e um reforço do seu rendimento real. Após alguns meses de perda de poder de compra, ele começou a recuperar em meados do ano passado e deverá prosseguir essa tendência. Como resultado, o consumo privado terá um crescimento médio de 1,9% no período 2024-26.
No entanto, devemos esperar alguma assimetria: as famílias mais endividadas continuarão apertadas por juros ainda elevados, enquanto os agregados sem dívidas relevantes terão mais margem para ver a remuneração dos seus investimentos melhorar.
Após ter sido penalizado pela subida das taxas de juro, o investimento também deverá recuperar, acelerando até 5,4% em 2025, em resposta ao expectável alívio das condições de financiamento e ao impulso dos fundos europeus. As exportações devem seguir o mesmo perfil, ganhando fôlego em 2025, ano em que deverão crescer 4%. Espera-se que a capacidade de financiamento da economia, medida pela balança corrente e de capital, continue a melhorar, chegando a 2026 acima de 4% do PIB. Com um bom desempenho do turismo, será o período com saldo mais elevado desde que Portugal entrou no euro.
O crescimento dos próximos anos será mais contido do que se observou após a pandemia, mas as previsões mais recentes são mais otimistas do que se antecipava no final do ano passado e com vários desenvolvimentos no horizonte que o poderão alavancar ainda mais. Em consequência do abrandamento da inflação, as taxas de juro deverão, também, recuar. A materializar-se, esse movimento trará um alívio para os portugueses com crédito à habitação, cujo poder de compra foi comprimido pela tenaz inflação-juros, assim como um estímulo à economia europeia.
Nesse campo, as últimas notícias são animadoras, numa região cujo processo desinflacionário tem sido mais doloroso do que noutras. A zona euro voltou a crescer nos primeiros três meses deste ano, alimentando a esperança numa retoma. É expectável que haja um efeito de arrastamento sobre Portugal, onde os resultados do Plano de Recuperação e Resiliência também devem ir ficando cada vez mais visíveis.
A estabilidade alcançada nos últimos anos em torno das contas públicas deverá permitir, também, continuar o processo de redução do endividamento público e viver sem sobressaltos a reintrodução das regras orçamentais comunitárias, mantendo os custos de financiamento controlados.
Ou seja, existe um caminho. Mas atravessá-lo não será fácil. Há um exército de riscos e pressões no qual a nossa atenção deve estar focada. O mais relevante tem a ver com um agravar das tensões geopolíticas, tanto na Ucrânia como no Médio Oriente. Elas podem não só levar à escalada de conflitos militares, como ter um impacto negativo no comércio internacional e nos preços das matérias-primas. Em paralelo, o reavivar a que temos assistido das políticas industriais pode facilmente resvalar para um ciclo de protecionismo contraproducente. Este contexto de fragmentação geopolítica e trocas comerciais limitadas pode prejudicar a procura externa e limitar o crescimento das exportações nacionais.
Além disso, caso a inflação seja mais teimosa na reta final, as taxas de juro poderão não descer de forma tão acentuada e rápida, tornando mais pronunciados os riscos de impacto na economia e no setor financeiro.
Por último, estes meses arriscam ser marcados por uma maior incerteza política interna, com possíveis consequências económicas, seja no atraso da execução de fundos europeus, na demora da implementação de políticas públicas ou na degradação dos desenvolvimentos positivos nas contas do Estado. Um equilíbrio que já estava pressionado pela necessidade de a Europa reforçar gastos com defesa e de investir no combate às alterações climáticas.
Não faltam armadilhas que podem colocar em perigo a economia portuguesa, caso a prudência não acompanhe a tomada de decisão. Se há coisa que sabemos é que haverá sempre uma próxima crise. Devemos usar o momento atual para nos prepararmos para ela, decidindo em função do presente, mas também do futuro. A estabilidade do sistema financeiro, na banca como no setor dos seguros, e a sua capacidade para acomodar crises futuras, será sempre determinante. Portugal resistiu a múltiplos choques e chega a 2024 com a oportunidade de continuar a tirar dividendos das transformações estruturais e da estabilidade que marcaram os últimos anos dentro de portas e de uma possível viragem da conjuntura lá fora. O caminho é estreito, mas está à nossa frente. Saibamos percorrê-lo.