A IMPORTÂNCIA DAS IMAGENS DE SATÉLITES NA INDÚSTRIA SEGURADORA
A indústria seguradora tem de lidar com inúmeros riscos, de naturezas diversas, que colocam, e sempre colocaram, desafios mais ou menos complexos para os seus especialistas conhecer e gerir. No domínio dos riscos naturais em particular, esta complexidade é muito significativa uma vez que muitos fenómenos são difíceis de antecipar e de dimensionar, a que acresce a incerteza associada ao impacto das alterações climáticas no seu comportamento.
Globalmente, as seguradoras sempre investiram de forma significativa no desenvolvimento do conhecimento e na inovação, o que levou a que os atuais modelos de avaliação e gestão do risco sejam muito avançados e com uma assertividade muito elevada. Não será, portanto, surpreendente que nos últimos anos tenhamos assistido a um crescente interesse por parte do sector em novas tecnologias e novas fontes de informação, com foco na sua incorporação nos modelos e processos existentes, de que são exemplo as tecnologias e dados provenientes da observação da Terra a partir do espaço.
Desde o início do século XXI que assistimos a um aumento significativo do número de satélites meteorológicos e de observação terrestre e, consequentemente, do volume de dados e produtos resultantes; e ultimamente, às missões espaciais nacionais e “inter-nacionais”, veio juntar-se um conjunto crescente de satélites comerciais, tornando esta fonte de informação cada vez mais disponível e acessível.
Para quem integra o sector segurador, é relativamente simples identificar vários pontos em que o potencial desta informação se revela extraordinário, desde logo nos tempos de resposta e custos em sinistralidade, deteção de situações de fraude com a capacidade de análises antes/depois, enriquecimento do processo de subscrição, maior proatividade no contacto com o cliente, entre outros.
Podemos elencar como os casos práticos de aplicação mais paradigmáticos no sector, e em particular no nosso território, as inundações causadas por fenómenos de precipitação intensa e/ou muito prolongada, muitas vezes acompanhados de elevada intensidade de vento, e os incêndios florestais.
No caso de tempestades, salientamos em primeiro lugar a importância dos satélites meteorológicos, essenciais no sistema de recolha de dados sobre o estado da atmosfera terrestre. A informação global que registam, em complemento com os dados recolhidos por sistemas terrestres de medição e observação, são usados na criação e otimização de modelos de previsão meteorológica, fundamentais para antecipar possíveis impactos na carteira de bens seguros. Prever a distribuição espacial e a intensidade do fenómeno, em conjunto com a informação de localização do património segurado, permite à seguradora tomar decisões de forma mais célere e com maior confiança, desde logo no pré-evento, comunicando proactivamente com os seus clientes no sentido de protegerem os seus bens, colocar em alerta equipas de gestores de sinistros, rede comercial e peritos, de acordo com os locais e quantidade de clientes que se prevê poderem vir a ser afetados, provisionar possíveis custos com a sinistralidade, por exemplo; e no decurso do fenómeno, ajustando estas métricas de acordo com a previsão de evolução do mesmo, seja em intensidade ou no espaço, associando ainda outros dados de natureza espacial como cartografia de risco de inundação, por exemplo, também esta uma fonte de dados baseada em análise de dados de satélite, entre outros.
Do ponto de vista operacional, esta antecipação permite acelerar significativamente muitos processos relacionados com a gestão da sinistralidade que se começa a revelar muitas vezes ainda antes do término do fenómeno, mas essencialmente quando este termina e os danos começam a ser avaliados. A qualidade dos modelos de previsão meteorológica permite já a tomada de decisão confiante sobre a abertura proativa de sinistros ou a sua resolução automática, quando a probabilidade de ocorrência de um dano é muito elevada, ponderando o seu custo previsto, ou, também nestas circunstâncias, o obviar do envio de peritos para o terreno, com clara diminuição dos custos e do tempo de resolução, especialmente em eventos de grande abrangência geográfica.
Em situações que se caracterizem por precipitação prolongada no tempo, muitas vezes intensa, a utilização de dados de radar pode também ser interessante pois ultrapassa o obstáculo que a cobertura de nuvens coloca no caso de outros sensores, permitindo assim monitorizar zonas inundadas mesmo com o fenómeno em curso.
No caso dos incêndios, a utilidade das imagens de satélite verifica-se igualmente na antecipação, mas, neste caso, não no momento pré-evento mas essencialmente no acompanhamento da sua evolução e, posteriormente, na avaliação da extensão afetada após a conclusão. Adicionalmente, tirando partido de outras bandas fora do espectro da luz visível, como infravermelho e infravermelho próximo, é possível calcular métricas que permitem avaliar a severidade do incêndio. Dependendo do tempo de revisita de um satélite, é possível ir acompanhando a evolução de um incêndio e atuar de forma proativa dependendo do possível impacto que a carteira possa vir a sofrer. Da mesma forma que no caso das tempestades, a maior confiança na tomada de decisão, desde a comunicação proativa aos clientes, à celeridade nos processos de gestão de sinistros, permite às seguradoras aumentarem a sua eficiência e diminuir custos de operação.
Aqui é de salientar a componente de observação terrestre do programa espacial da União Europeia, denominada Copernicus, que, com base nos satélites Sentinel e outras fontes de dados, sejam outros satélites ou equipamentos terrestes, oferece diversos produtos de informação com distribuição aberta e gratuita aos seus utilizadores. Estes produtos vão desde as imagens obtidas pelos Sentinel até a ficheiros geográficos de delimitação de território afetado por catástrofes naturais como inundações ou incêndios, cujo impacto nos territórios e/ou populações tenham justificado o ativar dos serviços de monitorização e auxílio em casos considerados graves por parte das entidades oficiais.
Adicionalmente, a utilização de imagens de satélite também podem constituir um forte auxílio na deteção de tentativas de fraude ou de inconsistências em registos de sinistros pela observação direta do terreno antes e depois de um determinado evento. Esta análise dos danos e da sua gravidade antes/depois de um evento pode ser realizada de forma automática através de algoritmos de classificação automática de imagem específicos para imagens de deteção remota, permitindo muito rapidamente tipificar toda a carteira como afetada/não afetada e em que grau.
Apesar de todas as vantagens, há ainda alguns desafios que são colocados na utilização e na operacionalização das imagens de satélite por parte da indústria seguradora. Não obstante a diversidade de satélites, o custo de aquisição de imagens, especialmente imagens de alta resolução, fundamentais para análises de danos pós-evento por exemplo, é ainda bastante elevado. O necessário processamento destas imagens para gerar produtos de informação acionáveis requer elevada especialização tanto de recursos humanos como tecnológicos.
Considerando todos os benefícios que esta tecnologia e informação podem oferecer, certamente que a relação entre o sector segurador e este domínio estreitar-se-á cada vez mais no sentido de o incorporar organicamente nos seus processos, métodos e modelos, investindo, como já é hábito, em investigação e desenvolvimento na área.




