
Fenómenos extremos e a cobertura de riscos: a proposta da APS
Os fenómenos extremos provocaram danos que custaram 100 milhões de euros às seguradoras, em dois anos. Ao contrário de Espanha e de muitos outros países europeus, Portugal carece ainda de um sistema nacional de proteção de riscos catastróficos, assente numa articulação entre o Estado e as empresas de seguros, e baseado em soluções seguradoras/resseguradoras e nos respetivos operadores, conforme proposta que já foi apresentada pela APS aos sucessivos governos.
O Sistema de Proteção de Riscos Catastróficos (SPRC) proposto pela APS visa facultar ao mercado uma oferta adequada e acessível de cobertura deste tipo de riscos, (i) promovendo a sua mutualização através de uma adesão voluntária, mas alargada do setor segurador, (ii) envolvendo o apoio e garantia do Estado e (iii) acumulando e capitalizando recursos económicos em fundos apropriados.
A proposta prevê que a gestão deste sistema seja entregue a uma associação pública, participada maioritariamente pelo Estado, mas com participação também do setor segurador, e que sejam respeitados os princípios fundamentais da atividade seguradora, nomeadamente em matéria de políticas de resseguro e de investimentos, e assegurada a supervisão pelo regulador, a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF).
Apesar de preparado para integrar um leque mais alargado de riscos catastróficos, o ponto de partida deste sistema é o risco sísmico e só o subsistema relativo ao risco sísmico foi desenvolvido em detalhe, porque esta é a maior vulnerabilidade da nossa sociedade. Com efeito, é muito escassa a proteção em caso de verificação de um evento sísmico, o maior risco catastrófico no nosso território. Segundo dados recentes da APS, menos de 30% das atuais apólices de incêndio e multirriscos habitação tem esta cobertura e apenas 15-20% do total das habitações está segura contra o risco sísmico, uma parcela com muito lenta evolução na última década.
Contexto Meteorológico e Causas da DANA
A DANA (acrónimo, em castelhano, de Depresión Aislada en Niveles Altos), também conhecida em português como “gota fria”, é um fenómeno meteorológico comum no outono, em Espanha, embora o evento ocorrido em outubro de 2024 tenha sido particularmente severo. Este tipo de ocorrência tem lugar quando uma massa de ar frio se desprende da corrente de jato, deslocando-se para uma área de ar quente e húmido, como o do Mediterrâneo e forma uma depressão com expressão nos níveis altos da troposfera. A colisão de massas de ar cria uma grande variação de temperatura, que força o ar quente a subir rapidamente, gerando nuvens carregadas de precipitação intensa.
A região leste e sul de Espanha, em particular Valência, encontra-se especialmente vulnerável a estes eventos devido à sua geografia: trata-se de uma zona onde o ar quente do Mediterrâneo se encontra frequentemente com massas de ar mais frias vindas do Atlântico, sendo as áreas montanhosas particularmente propensas à formação de tempestades severas.
Este evento, em particular, foi agravado pelas alterações climáticas, que estão a intensificar o impacto das chuvas fortes. O aumento das temperaturas à superfície (em terra e no mar) permite que a atmosfera retenha mais humidade, o que resulta em precipitações mais intensas e de maior duração.
Impactos climáticos e sociais
A precipitação foi extrema: algumas áreas da província de Valência receberam mais de 300 mm de chuva em apenas 4 horas, e outras áreas acumularam, em 8 horas, o equivalente a um ano inteiro de precipitação. Este volume de chuva resultou em inundações de dimensões catastróficas.
O terreno montanhoso e escarpado de Valência contribuiu para que as águas das chuvas escoassem de forma destrutiva, sem possibilidade de infiltração no solo seco.
Este escoamento, agravado pela urbanização e pelo entupimento de sistemas de drenagem, causou obstruções, resultando em danos extensivos. Até 7 de novembro, haviam sido confirmadas 217 mortes
Mais de 53.000 hectares de terra ficaram cobertos pelas águas, incluindo zonas agrícolas e infraestruturas urbanas. O impacto nas infraestruturas foi severo, com várias estradas, ferrovias e edifícios públicos danificados ou completamente destruídos.
Também foi necessário remover a água que se acumulou em garagens subterrâneas e túneis.
Impacto nos seguros e a importância do CCS
O evento mereceu a especial resposta do Consórcio de Compensação de Seguros (CCS), que desempenhou um papel central. Trata-se de uma entidade pública empresarial espanhola que cobre riscos extraordinários, como inundações, sismos e outros eventos extremos, sem que tal implique uma declaração oficial de desastre. O processo de sinistros do CCS é possibilitado pela sobretaxa de risco extraordinária incluída nos prémios de seguro padrão, que estende automaticamente a cobertura para estes riscos a todos os segurados. O CCS terá registado mais de 200.000 sinistros relacionados com o evento, um número que ultrapassou os registos históricos, apenas superado pela tempestade Klaus de 2009.
O CCS estima que cobrirá entre 90% a 95% das perdas, com um custo total estimado de 3,5 mil milhões de euros. Este evento é o mais caro na história do CCS, representando um grande desafio para as suas reservas financeiras. O valor remanescente será absorvido por seguradoras privadas.
É importante notar que a duração e a severidade das chuvas aumentaram significativamente o valor das reparações e a compensação global necessária, em especial devido à concentração de veículos mais antigos (61% dos veículos da região têm mais de 10 anos), sendo que 28% dos veículos das áreas mais afetadas foram impactados. Em colaboração com a UNESPA (Associação Espanhola de Seguradoras), a CCS concordou em aumentar os pagamentos de sinistros de veículos em 20%, para ter em conta essa realidade. Para além do referido regime, será retirada a franquia obrigatória de 7% sobre o valor dos pedidos de indemnização referentes às apólices de danos materiais, exceto automóveis, habitações e condomínios, para os negócios com volume inferior a 6 milhões de euros.
Embora o CCS cubra uma vasta gama de danos causados por riscos extraordinários, alguns tipos de danos não são cobertos, como sejam os danos causados diretamente pela chuva ou granizo, a menos que estejam associados a um fenómeno extraordinário, como uma tempestade ciclónica.
Tendo em consideração o âmbito e exclusões do Consórcio, importa referir que embora este absorva, provavelmente, a maioria dos sinistros de risco extraordinários relacionados com inundações, as perdas agrícolas serão cobertas pelo Agroseguro e pelas companhias de seguros, que lidarão com riscos extraordinários não cobertos pelo CCS, como granizo e ventos abaixo do nível ciclónico, bem como pedidos de indemnização derivados de fugas de água, por exemplo.
Prevê-se que haja uma cobertura limitada por parte do Consórcio. No entanto, os danos causados às infraestruturas – potencialmente não seguradas ou minimamente cobertas, como as vias de comunicação – estão estimados em 2,6 mil milhões de euros. Estima-se que um total de áreas agrícolas e pecuárias correspondentes a 20.000 hectares tenham sido afetadas por este evento, compreendendo 160 milhões de euros em valores seguros.
Perspetivas futuras e alterações climáticas
Este tipo de fenómeno, como outros desastres naturais em zonas costeiras e mediterrânicas, pode tornar-se mais comum devido ao aquecimento global. O aumento da temperatura da água do mar e as condições atmosféricas instáveis são fatores que, embora não garantam uma maior frequência de eventos como as gotas frias, podem intensificar a precipitação durante este tipo de eventos, tornando-os mais perigosos e difíceis de prever.
As autoridades espanholas e as seguradoras estão a analisar formas de melhorar a resiliência das infraestruturas e aumentar a capacidade de resposta a este tipo de emergências. Embora o evento tenha sido severo, a cobertura de seguros foi eficaz, sendo que o CCS dispõe de um fundo de 10,3 mil milhões de euros em reservas para cobrir este tipo de riscos extraordinários.



