UM SISTEMA NACIONAL DE PROTEÇÃO DE RISCOS CATASTRÓFICOS – UMA REALIDADE PARA QUANDO EM PORTUGAL.
Após o sismo ocorrido no dia 26 de agosto em Lisboa, sentimos de novo que estes fenómenos da natureza não acontecem apenas nos outros países e que a ocorrer em Portugal, caso seja mais intenso, levantamos a questão sobre o que aconteceria em termos de perdas humanas, perdas económicas e perdas seguras. Entretanto, a indústria seguradora veio reforçar a importância de as Pessoas protegerem o seu principal ativo, as suas casas, através da constituição de um seguro.
A Associação Portuguesa de Seguradores (APS) fez um comunicado de imprensa, reforçando a mensagem de que Portugal deve ter um sistema nacional de proteção de riscos catastróficos a funcionar para proteger as Pessoas e o seu património. As Seguradoras destacaram a importância da literacia financeira, da prevenção, na necessidade de reduzir o protection gap, que é de 81% para o risco sísmico, e que estão disponíveis, através da APS, para colaborar na criação de um fundo sísmico.
A Autoridade de Supervisão de Seguros e de Fundos de Pensões (ASF) comunicou na imprensa que irá entregar um anteprojeto legislativo ao Governo, até ao final do ano, sobre o sistema nacional de proteção de riscos catastróficos relativo ao risco sísmico.
A necessidade de termos o risco sísmico obrigatório para quem tem o seguro de Multirriscos Habitação irá permitir reduzir o protection gap significativamente, diminuindo de 81% para 47%. Isto irá obrigar o mercado português a comprar o dobro da proteção de resseguro, mas existe essa oferta disponível no mercado, pelo que não haverá dificuldade de transferência de risco. O valor dessa proteção depende do resultado do modelo a utilizar, do período de retorno a definir para a retenção e para a capacidade. Aqui é justo dizer que tem existido várias atualizações dos modelos que têm trabalhado em cooperação com as universidades, fazendo calibrações em diferentes fatores. Contudo, como não temos em Portugal frequência, não conseguimos validar e comparar os resultados reais versus os resultados dos modelos.
A Gallagher Re modelizou, por exemplo, qual o impacto que o sismo que ocorreu no dia 26 de agosto teria, se o seu epicentro fosse em Lisboa, concluindo que as perdas seguras estimadas seriam de 120 milhões de euros. Se a magnitude não fosse de 5.3, mas fosse de 7, então as perdas seguras estimadas seriam de 2 biliões de euros. Estes resultados foram baseados no modelo que a Gallagher utiliza (Verisk) e na exposição dos seguros residencial (apenas paredes) e partilhada pela APS para o estudo do Pool. Se usarmos o modelo RMS, modelo usado tradicionalmente no mercado português, os valores em questão seriam mais elevados.
Como referi no passado mês de agosto ao Jornal Económico, Portugal é dos poucos países com risco sísmico que não tem um sistema nacional de proteção de riscos catastróficos a funcionar, pelo que gostaria de partilhar neste artigo os recentes desenvolvimentos que estes sistemas têm tido em países como Marrocos, Turquia e Itália, países onde o risco sísmico está bem presente e onde sismos recentes causaram perdas de vidas, perdas económicas e perdas seguras relevantes.
Em Marrocos, o Governo criou um sistema baseado em dois pilares: um primeiro pilar baseado num pool de seguradores, onde os riscos catastróficos são obrigatórios para quem compra uma apólice de seguro, assegurando os resseguradores capacidade às Seguradoras, através dos seus tratados de resseguro. O protection gap em Marrocos é muito elevado, só 5% das casas é que têm seguro. Um segundo pilar, e inovador, passa pela criação de um fundo solidário para quem não tem capacidade para adquirir um seguro, protegendo a população mais vulnerável. Este fundo é financiado através da cobrança de uma sobretaxa de 1% em todas as apólices de Não-Vida, com exceção do ramo de Acidentes de Trabalho. Esta cobrança é capaz de gerar um fundo anual de 25 milhões de dólares. Adicionalmente, o Governo compra uma proteção de resseguro adicional de 275 milhões de dólares em excesso dos 25 milhões de dólares que acumula anualmente, essa é a retenção da proteção que vai comprar. Neste momento, o Fundo já foi capaz de acumular 100 milhões de dólares, desde 2020. Trata-se de uma proteção de resseguro inovadora, através de um seguro paramétrico, onde o “gatilho” definido está suportado num índice que mede a intensidade do sismo (MMI – Modified Mercali Intensity). Para o programa ser ativado, o índice da magnitude tem de ser superior a 5.
O sismo que ocorreu em Marrocos (Marraquexe) no dia 8 de setembro de 2023 afetou mais de 300 mil pessoas e causou perdas económicas de cerca de 3% do PIB (3 biliões de dólares). Este sismo permitiu acionar a proteção de resseguro 275 milhões de dólares em excesso de 25 milhões de dólares libertando rapidamente 300 milhões de dólares de fundos para apoiar a população mais vulnerável que sofreu com o tremor de terra, 275 milhões de dólares da proteção de resseguro que o Governo compra e os 25 milhões de dólares do fundo que tinham gerado no primeiro ano. Claro está que já havia mais receitas adicionais geradas pela sobretaxa ao longo dos últimos 3 anos, pelo que foram rapidamente disponibilizadas às populações cerca de 600 milhões de dólares, sem ter de recorrer imediatamente a ajuda externa. Esta proteção foi renovada em 2024, com um custo de resseguro mais elevado, mas foi possível de a manter, independentemente da subida do rate on line (medido pelo prémio de resseguro a dividir pela capacidade de resseguro que se vai comprar). Como reflexão adicional, este Fundo Solidário Nacional que Marrocos criou é muito interessante, não nos podemos esquecer dos números relacionados com a pobreza em Portugal. Temos 2 milhões de portugueses em risco de pobreza ou de exclusão social, segundo o relatório de 2023 da EAPN – European Anti-Poverty Network.
Em Itália, muito recentemente, foi definido por lei (lei número 213 de 30 de dezembro de 2023) a cobertura de risco sísmico obrigatória para riscos comerciais e industriais, e as Seguradoras que se recusarem a oferecer cobertura serão multadas. Haverá um tratado de resseguro em Quota-Parte 50% com um limite de 5 biliões de euros com a empresa pública SACE (Servizi Assicurativi del Commercio Estero) para todo o mercado. O desafio do setor privado está em preparar as próximas renovações, uma vez que não sabem quanto limite comprar e qual é a dimensão do novo negócio. Deste modo, o mercado está a analisar coberturas flexíveis capazes de acomodar a potencial evolução da exposição.
Na Turquia foi constituído um Pool de seguradores, a TCIP (Turkish Catastrophe Insurance Pool) a funcionar desde o ano 2000 para cobrir o risco sísmico. Esta Pool consiste na obrigatoriedade de cobrir o risco sísmico para todos os riscos residenciais. No final de 2023 cobria mais de 11 milhões de apólices (em 2000 eram 159 mil apólices) e tem sob gestão um volume de prémios superior a 124 milhões de euros. O facto de o governo turco ter criado esta Pool permitiu reduzir o protection gap e aumentar a taxa de penetração do risco sísmico de 5% no ano 2000 para mais de 60% em 2023.
De acordo com o último relatório de contas publicado (2023), esta Pool tinha um fundo acumulado de 331 milhões de euros. Com o sismo de magnitude 7.5, ocorrido em fevereiro de 2023, na Turquia e na Síria, com mais de 50 mil perdas de vidas humanas e 100 mil feridos, o sistema de seguros turco estava preparado e à altura para responder. O fundo pagou cerca de 263 milhões de euros em 2023 e pagou o primeiro sinistro em menos de 24 horas após a ocorrência do sismo. Foram encerrados 477.781 processos de sinistro, dos quais 229.258 deram lugar a peritagem (cerca de 48% do total). Foram avançados pagamentos antecipados, existiu cooperação com os Bancos para os pagamentos sem necessidade de participação de sinistros, a cobrança de prémios foi adiada 3 meses, ou seja, houve um foco total no apoio às vítimas do sismo.
Após o último sismo, a TCIP reviu o seu programa de resseguro para comprar mais capacidade e aumentou a prioridade do seu programa e, mesmo assim, o rate on line aumentou de 1.8% para 7% e as seguradoras turcas tiveram muitas dificuldades em colocar no mercado os seus programas de resseguro proporcionais.
A possibilidade do TCIP poder acumular fundos e permitir essa acumulação ao longo dos anos (diferença entre o prémio recebido dos seguradores e o prémio pago aos resseguradores) permitiu acomodar os sismos passados, uma vez que os fundos acumulados eram suficientes. A possibilidade de o Fundo Sísmico em Portugal poder prever a capitalização ao longo dos anos, é um tema que esperamos que venha a ser tido em conta porque irá permitir reduzir a dependência do resseguro ao longo dos anos, permitirá comprar uma proteção mais robusta para períodos de retorno mais elevados e reforçar a poupança interna em detrimento de transferências para o exterior.
O TCIP está neste momento a trabalhar na introdução de outros riscos catastróficos, como por exemplo as inundações. A experiência acumulada que têm ao longo das duas últimas décadas, tornam o país como um case study, na forma como estão a tornar a sua economia mais resiliente a estes choques.
Concluindo, os países onde o risco sísmico é relevante estão a atuar na criação de sistemas de proteção de riscos catastróficos através de soluções de resiliência partilhada, onde os tomadores de seguro, seguradores, resseguradores, Estado e regulador, têm tido um papel ativo com investimentos significativos em pessoas e em tecnologia, para mudar a realidade em que vivem.
Haja vontade política e compromisso de todos os stakeholders para com responsabilidade, e em cooperação, fazer acontecer o mesmo em Portugal. Temos um percurso grande pela frente, a esperança só por si não chega!