O litígio, que está na origem do presente Acordão de Uniformização de Jurisprudência do STJ, surgiu após uma Seguradora ter declinado o pagamento de uma indemnização por invalidez absoluta e definitiva a uma sinistrada, por considerar que esta omitiu padecer de uma patologia reumatológica (que esteve na causa do sinistro), aquando da adesão de um contrato de seguro de vida associado a um contrato de mútuo hipotecário.
Em primeira instância, o Juízo Central Cível de Sintra condenou a Seguradora, que, inconformada, interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por sua vez, absolveu a Seguradora. Este último, na reapreaciação dos factos, decidiu desconsiderar o Atestado Médico de Incapacidade Multiuso que atribuía um grau de incapacidade permanente definitiva de 71% à sinistrada, assumindo que este não constituía um documento autêntico e optou por valorar, de forma previligiada, o relatório de avaliação médico-legal do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (‘’INML’’), que conferia à sinistrada uma incapacidade permanente parcial de apenas 21,975%.
Inconformada, a sinistrada interpôs recurso de revista para o STJ, que decidiu confirmar o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa. Sem se resignar, a sinistrada decidiu interpor recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência do STJ, alegando contradição entre Acórdãos sobre a mesma questão de direito, nomeadamente a natureza jurídica e a força probatória do Atestado de Incapacidade Multiuso. Enquanto na primeira decisão, o STJ reconheceu o Atestado de Incapacidade Multiuso como sendo um documento autêntico, que assume força probatória plena e vinculada para todo o seu conteúdo; na segunda decisão, entendeu que se trata de uma mera conclusão pericial, sujeita a livre apreciação do tribunal.
Em consequência, o STJ decidiu confirmar o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa e uniformizar jurisprudência no sentido de que o Atestado Médico de Incapacidade Multiuso tem uma natureza bivalente, isto é:
- constitui um documento autêntico que faz prova plena dos factos praticados e percecionados pela autoridade pública competente (Junta Médica); e
- constitui prova sujeita à livre apreciação do tribunal quanto aos factos que correspondem às respostas de avaliação médica e de determinação da percentagem de incapacidade da pessoa avaliada.
Em termos práticos, esta decisão do STJ vem permitir que seja o tribunal, quando confrontado com a existência de um Atestado Médico de Incapacidade Multiuso e um relatório de avaliação médico-legal, a decidir e avaliar qual destes dois documentos deverá ser valorado e aceite para efeitos de prova na decisão da causa, sem prejuízo de as seguradoras, na fase pré-contenciosa, poderem sempre contestar qualquer um destes documentos que lhes for apresentado pelos sinistrados.
Autor: APS